Sunday, August 28, 2005

 

publicidade ou a nossa condição de rebanho

A imagem do rebanho para definir a condição humana é das mais felizes da história da filosofia. Nietzche tinha razão. Nós somos como as ovelhas que num rebanho vão todas juntas, de cabeça baixa, seguindo juntas para o mesmo lado. A direcção muda e elas mudam também. Sem levantar a cabeça, sem questionar, sem perguntar: - “mas o que é isto, para onde vamos? Eu não quero ir!”. Impensável não é? No entanto alguém lá à frente as dirige. Seja o pastor, seja o cão ou até uma ovelha mais esclarecida ou com mais estatuto.
A nossa vida é assim. Sem darmos por isso, estamos todos a pensar da mesma maneira, a vestir da mesma maneira, a comprar e a desejar as mesmas coisas, a ter, em suma, um comportamento semelhante uns aos outros. Alguém quis que assim fosse. Alguém nos tornou “coisas” fáceis de manipular e explorar. Alguém nos roubou a diferença, a liberdade de pensar e de escolher. Alguém nos tornou um produto de usar e deitar fora quando acaba o prazo de validade. E nós deixamos!!
No outro dia estava num café e ouvi:
- Bebo todos os dias um actimel, faz muito bem, é para regular o trânsito intestinal – o trânsito, imaginem!
- E tem dez milhões de L.casei imunitas- continuou
- Ah, eu bebo danone líquido – dizia a outra
- Tem bífidos activos.
Para meu espanto uma terceira ainda dizia
A mim não me faz muito efeito mas também bebo sempre. É pro-activ
Fiquei perplexa. Saberiam aquelas pessoas do que estavam a falar? Ou limitam-se apenas a repetir que nem papagaios aquilo que esses agentes de mercado querem que eles repitam? Mas que raio são bifidos activos? E L.casei imunitas? E como acreditam as pessoas assim, só porque viram na televisão, numa coisa que nem sabem o que é? E defendem. E compram. Afinal era esse o objectivo. Que nem um rebanho, todos para o mesmo lado. Sem dúvidas, nem questões!
Com as palavras também é assim. Há uns anos atrás alguém pediu para o governo, uma maioria inequívoca. Inequívoca!! É incrível como a partir daí se começou a pedir de forma inequívoca, qualquer coisa. Esse conceito introduziu-se no vocabulário político com uma facilidade e rapidez, que de repente parecia-me ouvir só a palavra inequívoca em todo o lado. É extraordinário!
Usamos as mesmas roupas, somos escravos das marcas, temos todos o mesmo cabelo (se algum extra terrestre olhasse para a terra de vez em quando, assustava-se, porque o que via era uma grande mancha amarela) e até os nossos desejos são iguais. Que nos vendam a roupa, os sapatos, o cabelo, o carro, a casa, o emprego! Já é grave. Mas os sonhos! Os desejos!!... Meu Deus, isto está mal! A televisão deixa-nos pouco espaço para a imaginação. O cérebro está intoxicado de propaganda. A alienação é total. Como podem os nossos sonhos fugir desse novelo? Como se rompe com aquilo que nos torna iguais e aceites? Como se imagina um desejo diferente? E pior, como se vive uma alternativa neste mundo de consumo e valores distorcidos? É difícil!
Mas ... há sempre a ovelha negra. Felizmente! Aquela que dá um berro, que até leu o José Régio e se recusa a ir por ali!... E de repente as outras começam a levantar a cabeça...

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